Kenzo Takada fez sua última palestra do circuito SPFW no Senac Campus Santo Amaro
Senhor dos desafios
Depois de abandonar o império, Kenzo Takada deseja ainda realizar o primeiro de seus sonhos
Ana Carolina Lahr
A palestra mal começara e suas criações mais antigas já rodavam no telão.
“Não me agrada ver peças antigas porque sempre encontro defeitos”, revela provocando risos na platéia. E assim começa sua palestra de despedida ao Brasil.
Kenzo Takada não é o único gênio a estranhar suas obras. Clarisse - Lispector - já revelou em certa ocasião a opção por não reler suas obras publicadas. “Quando leio, estranho, acho ruim. Aí não leio, ora!”, disse ela. Como diria o ditado popular, “ninguém é perfeito”. E ao que se nota, nem mesmo aqueles que dão motivos para crermos em tal feito.
Pelo menos é assim que as criações de Kenzo Takada foram, e são, vistas pelo mundo: perfeitas.
Nascido em 1940, ele sempre se encantou com as ilustrações de Soreyo. O contato com o desenho lhe rendeu o sonho de seguir com a carreira de desenhista, mas a distância das universidades em relação ao seu povoado natal fez com que se matriculasse em uma universidade de língua estrangeira próxima de casa.
A moda? Foi outra vontade sem espaço em meio a tantas delimitações. “Na época - lembra - não existiam muitos homens nas universidades de moda”.
Mas o destino lhe parecia já conhecer seu talento. Pouco depois de começar a faculdade de língua estrangeira, a Bunka College - melhor universidade de moda de Tókio – abriu inscrições para homens. A novidade mais uma vez instigou o desejo do jovem, que juntou um dinheiro e mudou-se para a capital japonesa sem o consentimento do pai.
Em 1958, sua mãe autoriza a entrada na universidade. Começava a sua história.
Na época, o prêt-à-porter ainda não existia e a moda japonesa nem mesmo era reconhecida internacionalmente. Diante disso, o prêmio de So-EN oferecido no Bunka College tornava-se a grande oportunidade em meio à falta de empregos na área. Obter o premio significava ter o nome publicado na mídia e, conseqüentemente, divulgação.
Foi esse o próximo objetivo do artista. Uma de suas amigas conseguiu o prêmio em 1959. “Eu morri de inveja”, revelou mostrando-se um simples mortal. Mas o reconhecimento veio no ano seguinte. Graças ao So-EM de 1960, arrumou um emprego desenhando moldes para uma revista de Tóquio.
Paris
Kenzo lembra-se bem de sua primeira viagem estrangeira. O destino? Paris.
“Viajar era muito difícil na época, mas com as Olimpíadas de Tókio elas foram facilitadas”. Já que era para viajar, que fosse algo bem feito. Seguindo os conselhos de uma professora, ele e o casal Matsuda partiram em direção à Europa de navio.
Era 1 de janeiro de 1965. Depois de um mês à bordo, estavam eles em Paris. “Cadê as luzes?” indagou Kenzo com um pingo de desapontamento. Mas lá estavam elas, na catedral de Notre Dame.
Seis meses era a duração do sonho parisiense e com o dinheiro acabando, a volta estava cada vez mais próxima. “Eu queria ficar mais. Não podia ir embora sem que um estilista francês visse meus desenhos”.
Sem nada a perder, fez algumas criações e saiu para vendê-las. Cinco. Cinco desenhos vendidos. Cindo dólares cada. Por sinal, uma mixaria. Mas o suficiente para encorajar sua permanência em Paris.
O sucesso estava prestes a alcançá-lo. Mais dez de seus desenhos foram vendidos para a revista Ester e Kenzo foi então apresentado a uma confecção prêt-à-porter. “Pareceu um sonho, mas consegui um emprego em Paris”, lembra com orgulho.
Em 1970, inaugurou sua própria loja, a Jungle Jap e juto dela, sua
primeira coleção. A decoração da loja inspirou-se no artista Henri Russeou e levou três meses para ser concluída. “Fiquei super feliz quando terminei. Colocamos [Kenzo mais um amigo que lhe ajudou no projeto] uma grama artificial, deitamos e dormimos lá mesmo, embebedados”.
Ele era jovem. “Tinha muita coragem e pouco dinheiro”, recorda.
No final da década de 70 sua empresa estava prestes a falir, mas se reergueu com criações comerciais que passaram a ser muito bem aceitas. Os
desfiles tornaram-se obrigatórios em sua trajetória.
Em 89, o estilista passou por uma fase de mudanças. Seu sócio faleceu e ele sentia que não dava mais para acompanhar as mudanças. Para salvar seu
império, associou-se à holding francesa LVMH (da conhecida Louis Vuitton). Dez anos depois, realiza seu último desfile. Mas a marca continua. Hoje, está totalmente nas mãos da LVMH, dona de outras marcas como Gucci, Givenchy, Marc Jabobs e Christian Dior.
Estaria ele numa nova fase?
“Sim. Resolvi olhar para mim, me repaginar e começar denovo”.
Em 2002 retomou à criação, mas desta vez o alvo não era mais a indumentária. Aos 68 anos – e muito bem conservado – ele ainda traça desafios: “Quero desenhar e pintar quadros. Quero fazer coisas que nunca fiz dentro do que sei fazer”.Depois de erguido império, Mestre, você pode tudo!